quarta-feira, 30 de abril de 2008

SERES




Texto utilizado en la expo de fotos del Primer Festival de Cine Documental sobre la interrelación entre los seres humanos y los animales(abril 2008 /Quito- Ecuador):
Ser Humano Animal

Nosotros somos seres humanos, seres humanos animales. ¿Qué implica este hecho? ¿Esto nos hace superiores a los demás animales? ¿Como nos relacionamos con los animales no humanos? ¿Les tratamos con respeto?

Permitámonos en este momento realmente ponernos en su posición e imaginar y reflexionar cómo se sienten. ¿Que sentirán cuando encarcelamos a un ser en nuestro hogar, en zoológicos o en circos, únicamente para satisfacer nuestros deseos “humanos” de verles cerca…usarles?!?

Karina va a la selva y se encanta con los monos. “Qué hermosos que son, quiero llevar uno a mi casa”. ¿Pero qué querrá él, el mono, un ser con familia, hogar y vida propia?
¿Qué sentirán cuando los ponemos en laboratorios y les inyectamos sustancias fortísimas, les cortamos y les hacemos los más crueles experimentos, diciendo que eso es para el bien? ¿Para el bien de quién?

¿Qué sentirá un caballo con hierros en la boca y otro animal arriba de él, pegándole con un chicote? ¡¿¡Y decimos que no pasa nada porque el caballo es fuerte!?!
¿Qué sentirán tantos miles de animales que son forzados por nosotros a pasar toda una vida de miseria, cárcel y tortura para, al final, ser muertos y comidos? ¿Qué sentirá nuestro cuerpo cuando ingerimos esta carne tan sufrida? ¿Qué sentirán nuestros órganos y nuestras células? ¿Y nuestro espíritu?
¿Qué sentirán las vacas lecheras que pasan toda su vida teniendo terneros que se los quitan a los primeros días de vida para que la leche pueda llegar a nuestras mesas?
¿Qué sentirán los chanchos, gallinas, vacas, cuando les transportamos apretados en el cajón de un camión donde no pueden ni moverse? ¡Y nosotros ya reclamamos cuando nos sentimos apretados en un bus!!!
Mirémosles en los ojos, de ser vivo a ser vivo, sin posturas de superioridad o prejuicios, a ver si podemos comprender y profundizar un poco nuestras relaciones con esos seres con los cuales compartimos el planeta tierra, y por lo tanto son nuestros hermanos.

¿Estarán ellos aquí para que les hagamos lo que nos da la gana? ¿Para que les manipulemos, les propiciemos una vida hecha pedazos, les torturemos y les hagamos sufrir para nuestro placer? ¿Será este el sentido mayor de la vida animal?
¡VIDA! ¡ANIMAL! ¡Que fuerza tienen esas palabras!!! ¿Sientes? Todos somos SERES. Seres humanos, Seres animales, Seres humanos y animales.

Experienciando a Ecosimia


Quando o neném chora, a mãe se incomoda. Quando a mãe esta incômoda por muito tempo, o pai fica bravo. Nessa história, contada pelos antigos, o neném é o Vulcão Pichincha, que fica em Quito. Este teve sua ultima erupção algum tempo antes que a mãe, que é o Tungurahua, começasse a sua erupção que já dura uns 6 anos. O pai é o Cotopaxi, considerado o vulcão mais perigoso do Equador e que pode entrar em atividade a qualquer momento.

Sabedoria ancestral à parte, diz a ciência que o Cotopaxi tem dois tipos de erupção, cada qual com seu ciclo. O mais suave é a cada 90? anos e o mais forte a cada 2000? Já faz uns 140 anos que o primeiro não acontece e o segundo 2300. Enquanto isso o governo não menciona nem uma palavra em relação ao ‘pai’.

É sexta-feira, 18 de janeiro. Partimos às 7:15h rumo ao sul. Mauricio, Suzana, Valentin e eu. Mauricio é um senhor, nascido no Equador e criado na Suíça, que criou a idéia e continua sendo o maior incentivador do que chamam de Sintral – Sistema de Intercambio e transações locais. Suzana é a mãe de Valentin – São alemães e vieram conhecer como funciona Sintral na prática, mesmo porque na escola de Valentin estão aplicando as mesmas idéias, baseados num dos vários cursos que Mauricio e sua Esposa Rebeca ministraram pela Europa.

Quito fica na província de Pichincha, que é de onde saímos. Passamos pelas províncias de Cotopaxi, Tungurahua e chegamos a Chimborazo, cada qual com seus vulcões de mesmo nome. Dos três, só vemos o terceiro – os outros dois estão totalmente cobertos pelas nuvens. Passamos perto do refugio para os aventureiros que escalam o Chimborazo. Passamos dos 4000 metros de altitude.

Nossa primeira parada é um povoado perto da cidade de Riobamba. Chegamos à casa de uma mulher que vive sozinha. Mauricio tem que falar algo com ela e logo seguiremos viagem. Ela insiste que entremos para conhecer. Mauricio tentar resistir mas é persuadido. Logo a senhora, muito amigável, diz que não tem muito para oferecer mas tem um pouco de favas cozidas e nos traz um prato cheio delas, junto com outro prato de ají. Ají é um molho feito com pimenta. Nos sentamos para deliciar-nos com as favas frescas e o ají preparado na pedra (moedor tradicional), como nos conta nossa anfitriã. Em seguida ela traz um lindo prato de salada e ainda pedaços de um queijo tipo ricota e um prato cheio de choclos (milho verde cozido), este bem diferente do que conhecemos no Brasil. Os grãos são mais branquinhos e pontiagudos – uma das diversas espécies tradicionais da região. Tudo o que nos serve é orgânico e cultivado por esta senhora e seu grupo, ali nas redondezas. Para completar, ainda nos serve suco de tomate de arvore, fruta pouco conhecida no Brasil.

Após tanta fartura, nos despedimos agradecidos e satisfeitos. Vou ao banheiro e no caminho vejo suas criações de cuys e coelhos. Cuys são porquinhos da índia, carne muito apreciada pelos paises andinos. Não dá pra não sentir um aperto no peito ao ver os bichos apertados em pequenas gaiolas onde mal podem se mover.

Entramos no carro e paramos em menos de 1km. É um dos muitos CPAA (Centro Para Atividades Autônomas) que há hoje no Equador. Resumindo, um CPAA é como uma escola alternativa bastante radical, onde não há aulas, professores e, muito menos, provas e notas. Cada criança aprende de acordo com seu interesse e ritmo natural.

Uma historia que me ajudou bastante a entender como este sistema pode funcionar é de uma criança que já havia freqüentado uma escola “normal” por alguns anos e de repente foi transferida para o “Pesta” (apelido para Fundación Educativa Pestalozzi – precursora do CPAA). Esta criança não tinha o menor interesse em aprender, só queria ficar brincando ou fazendo nada, enquanto as outras crianças que freqüentaram o Pesta desde pequenos, tinham bastante interesse em aprender sobre diversos assuntos, e o faziam, com uso do material disposto e adultos que sempre estavam ali para ajudar. A conclusão foi que a criança que entrou depois, já havia sido “contaminada” pelo sistema de ensino tradicional, onde somos obrigados a assistir aulas, forçados a estudar tantas coisas que não nos interessam e muitas das quais nunca nos servirão nessa vida ou em outras e ainda submeter-nos ao julgamento de professores que nem sempre são aptos para lidar com esses seres tão sábios e inocentes que são as crianças. Sendo assim, quando foi ao Pesta, onde não era obrigado a nada, abusou de sua liberdade e não se adaptou.

Voltando ao CPAA a que acabáramos de chegar, entramos para conhecer: várias salas bem organizadas, com os mais diversos materiais para aprendizagem. O que mais há são jogos educativos. Várias crianças brincando e alguns adultos tomando conta. Conversamos um pouco e seguimos nossa viagem rumo à Pretoria.

Pouco abaixo dos 3000 metros, estamos em uma estrada de terra um tanto precária, e em meio a uma densa neblina. A umidade da região propicia quase que uma selva. Baixamos rapidamente e logo estamos em uma densa floresta com casa de madeira, muitas arvores de banana, mandioca, urucum. Quando chegamos à 40m do nível do mar, mesmo bem longe do mar, já se diz que estamos na costa. No Equador chamam de costa uma faixa de aprox 200km entre a praia e o interior, ao longo de todo o país.

Passamos pelo povoado de Caluma e uns 20km depois chegamos a uma ponte em reforma. Não há como passar. À nossa frente esta um caminhão que sai da estrada para a esquerda e para frente de um rio. Paramos perto deles. Um dos rapazes do caminhão tira os sapatos, arregaça as calças e entra no rio para medir a profundidade. A água praticamente lhe molha a bunda. Já decididos a dar a volta, vem, do outro lado do rio, uma camionete igualzinha à em que estamos. Sem titubear, cruza o rio com facilidade. Então aparece um jipe Suzuki e também cruza. Logo o caminhão e então vem um ônibus, também do outro lado e cruza tranqüilamente. Finalmente Mauricio se convence a cruzar. Engata o 4x4 e lá vamos nós. Um quilômetro depois chegamos ao pequeno povoado de Pretoria, nosso destino.

Estacionamos em frente à casa de Sister, nosso anfitrião. Ele vive justo em frente à escola, onde há uma quadra de futebol e outra de vôlei. Aqui jogam o que chamam de Ecuavolei, com três integrantes de cada lado. No salão da escola há um “discomóvil” – aparelho de som potente geralmente alugado para festas. Muitos adultos dançam ao som de musica eletrônica nacional, como se estivessem numa discoteca. Ao lado da escola está a igreja.

Pouco depois chega Jose Manoel, com o caminhão carregado de produtos de Chilco, um pequeno povoado na serra de Tungurahua. Com ele vieram de Chilco três irmãos, dois adolescentes e uma criança, para conhecer o povoado. Uma das propostas de Sintral, além de fazer o comercio sem utilizar a moeda oficial, é que as pessoas dos grupos conheçam as outras pessoas e outras regiões. Por enquanto viajam poucos, no caminhão que leva as mercadorias, mas a idéia é ter também um ônibus que leve mais gente.

Ao lado da casa de Sister já esta uma grande pilha de cachos de banana, um pouco de cana de açúcar e mandioca. Alguns curiosos sobem na traseira da caçamba para espiar o que lhes enviaram. Pouco depois vamos jantar. Somos convidados a comer todas as refeições nas casas das famílias que participam do mercado de Sintral. Como somos muitos, nos dividem em grupos. Mauricio fica na casa de Sister e os outros subimos na caçamba do caminhão que cruza o asfalto e entra por uma ruazinha de barro enlamaçada em meio a uma plantação de cacau. De pé, no fundo da caçamba, e meio a sacos de batata, sacudimos para lá e para cá. Paramos em frente a uma casa de madeira. ‘Aqui ficam os meninos de Chilco’. Seguimos mais alguns metros e paramos em frente a uma casa de concreto. Seguimos por um caminho em meio aos cacaueiros e logo chegamos a uma casa de madeira bem simples. É elevada do chão, imagino que para proteger da umidade. Subimos as escadas, passamos por uma ninhada de cães e entramos. Um ambiente bem pequeno, com uma rede, uma pequena mesa e banquinhos de madeira. Sobre a mesa uma toalha de plástico com desenhos de papai-noel. No alto, uma televisão que já estava ligada quando entramos. O jovem pai de família lhe aumenta o volume. Tem três filhos, sendo que um é neném de colo. A mãe, magrinha, passa da cozinha para outro ambiente e volta com uma panela e o marido logo traz pratos guardados em saco plástico.

Nos servem pratos de sopa com pedaços de frango. Digo que sou vegetariano e logo me trazem uma sopa de macarrão (a mesma sopa só que sem o frango). Como um pedaço de mandioca que há na sopa e logo trazem um prato de banana da terra cozida. Abandono a sopa e ataco as bananas. Em seguida trazem pratos de arroz com ovo frito. Digo que também não como ovos, e me fazem banana da terra frita. No meio do arroz há um ou outro grãos de lentilha. Por ultimo trazem suco de tomate de arvore. Terminamos de comer, agradecemos e nos despedimos. Como de costume no Equador, dizem: Disculparán (desculparão) – o que me traz uma sensação rara. Nos recebem em sua casa, servem a melhor comida que dispõe e pedem desculpas!?! Bem, tenho que me acostumar e, afinal, não é pior do que o nosso ‘obrigado’.

Subimos no caminhão, pegamos os chicos de Chilco e, no caminho, fazemos algumas paradas para pegar mais bananas para o mercado de amanhã. Em uma das paradas, onde carregamos muitas bananas, o menino menor de Chilco se aproxima de uma égua amarrada que está com seu filhote e lhe dá um tapão no focinho. Ela fica muito assustada e o menino ri, enquanto os outros observam em silêncio. Vejo que o filhote tem uma pata traseira bem enrolada na corda que prende a mãe. Aproximo-me para soltá-lo. A mãe não me deixa chegar muito perto, mas consigo afrouxar um pouco a corda e soltar o pequeno.

Voltamos à casa de Sister e sentamos na sala, todos bastante cansados. É hora de fazer “uma social”. José Manoel vai ao caminhão e traz um violão, um bumbo e um reco-reco. Tira o violão da capa e começa a tocar e cantar. Acompanho-lhe com o bumbo. Ficamos um tempo tocando, conversamos e enfim vamos dormir. Todas as camas com mosquiteiros. Depois de passar duas semanas em Pifo dormindo com vários cobertores, durmo esta noite mesmo sem lençol.

Sábado despertamos as 7:30h e Sister caminha conosco para o ‘cafecito’ numa outra casa. Há café solúvel, chá de erva cidreira em pacotinhos e, para cada um, um grande prato de arroz branco com um pedaço de frango. O arroz é importado por ser mais barato que o nacional. O frango é do quintal. Aqui se diz que não se deve matar uma galinha a não ser que alguém esteja doente, seja uma celebração especial, ou haja visitas.. Eu como somente arroz e tomo chá. Explico que sou vegetariano. Sister é convencido a ficar e comer junto conosco. Pergunta se não tomo café. Digo que não e se interessa em saber por que não tomo café e não como carne. Ele diz que aqui se costuma plantar e tomar o próprio café. Explico-lhe que não me sinto bem quando consumo café ou carne, sendo que um me deixa muito nervoso/ansioso e o outro me faz sentir mais pesado, ou melhor, sinto-me melhor sem a carne.

Voltamos à casa onde logo será o mercado. As pessoas vão chegando. Alguns vão trazendo mais produtos e os posicionam junto ao que já estão. Começam a descarregar o caminhão: primeiro as bananas que carregamos à noite, então várias sacas de batata, uma de cenoura, couve-flor, alface e repolho. Em seguida carregam todas as bananas, mandioca, cana, alguns mamões e maracujás. O caminhão fica praticamente lotado.
Os alimentos são retirados das sacas e posicionados no chão. Mauricio da algumas palavras com ultimas novidades. Dá-se inicio ao mercado. Forma-se uma fila para pegar a primeira leva de alimentos. Cada um com seu saco na mão, vão passando e recebe primeiro uma porção de batatas e outra de cenouras. Quando todos passaram, chamam para o segundo turno. Depois com couves-flores e repolhos. Assim vai até acabar tudo. Sister então diz que há 15 alfaces. “Quem se interessa”. Por um breve momento ninguém se move e, de repente, vão todos ao mesmo tempo. Alguns ganham, outros não.

É o fim do mercado. Cada um segue para sua casa com seus produtos vindos da serra. Em seguida começa a reunião de mutuo apoio. Enquanto esperam que o grupo se complete, José Manoel toca e canta. Logo estão todos presentes, cada um com seu caderninho de contabilidades. Sister é o “banco”. Cada integrante contribui com o que pode e chegam a um total de USD 333,00. Uma leva 150 e um outro mais 150. Os 33 restantes vão para um terceiro interessado. A reunião se acaba. Assim fazem a cada mês, para que alguns do grupo levem uma quantia de dinheiro que possam investir em algo que desejem e, de acordo com a possibilidade de cada um, vão pagando de volta ao grupo, sem juros.

Logo Sister nos leva (os visitantes) para colher sapotes: umas frutas suculentas, marrons por fora e laranja brilhante por dentro. Também comemos cacau e toronja. Hora do almoço: Sopa com frango, arroz, ovo, couve-flor com batatas e salada. Grandes quantidades. Como sobra muito, nossa anfitriã pensa que não gostamos da comida: Disculparán que mi comida no les agrada. Explicar não parece ajudar.

Vamos na camionete de Mauricio colher bananas no meio de uma plantação de cacau e depois dar um mergulho no rio. Um rio largo e raso, mas com uma bela correnteza. Água quentinha. Quando voltamos, ficamos sentados na varanda de Sister assistindo as pessoas que saiam da missa e aos que jogavam ecuavolei e futebol nas quadras à frente. Uma mulher vender sorvete tipo raspadinha e um homem em sua moto vende picolés e Paes caseiros. Chega um carro promocionando seus sorvetes por um alto falante.

Na varanda, comemos abacaxi, toronja, sapote e umas bananas chamadas de limeñas que aparentam ser qualquer banana por fora, mas são de cor laranja por dentro. Vem a chuva e nós ainda ali, só olhando. No jantar, parece que já ficaram sabendo que não como carne e servem arroz com couve-flor, salada e grandes e suculentos pedaços de mamão. Para beber, chá de camomila.

Voltando para casa, todos na sala ao som do violão e voz de Jose Manoel. Muitos mosquitos. A chuva chove.

Domingo partimos dos 40m de altitude de Pretoria rumo a Chilco, uma pequena comunidade que fica a mais de três mil metros. Mauricio me pedira para ir com Jose Manoel, no caminhão, para que um dos meninos de Chilco possa ir com ele na camionete e indicar-lhe o caminho.

Despertamos as 6:30h para sairmos às 7h. O café da manhã, para variar, é arroz com um pedaço de frango. Como somente um pouco de arroz. Ao nos despedirmos de todos percebo que os meninos de Chilco estão levando um gatinho, dentro de um saco plástico amarrado, com alguns furos para entrar ar. Ao entrar no caminhão o colocam no chão, junto aos pés. Digo ao mais velho para tirar-lhe do saco e levar-lhe solto. Diz que não, que está bem assim. Assim que entro pego o saco e tiro o gato de dentro, posicionando-o em meu colo. Ele está bem assustado, mesmo porque ainda é filhote, e tenta andar para algum lado. Impeço que saia do meu colo até que se acalma. Faço uma caminha com meu casaco e então ele dorme.

Nossa viagem é longa, principalmente porque o caminhão está lotado de bananas entre outros produtos. Na pequena cabine somos três adultos e uma criança. Nessas horas ter pernas compridas é realmente um incomodo. O mais confortável de todos é o gato que não sai do meu colo a viagem toda. Aproximadamente oito horas após nossa partida de Pretoria, na província de Bolívar, chegamos a Chilco, província de Tungurahua.

Estacionamos na casa da família dos três irmãos que estavam conosco em Pretoria. Mauricio e os outros chegaram 1,5 h antes que nós e foram caminhar até uma parte de onde se vê o vulcão Tungurahua para ver se podiam avistar algum sinal de sua erupção. Logo voltam dizendo que não viram nada. Está tudo nublado. Vamos todos à cozinha, que é uma casinha de barro com uma mesinha, algumas prateleiras e uma fogueira no chão, em um dos cantos. Muita fumaça para todo lado e poucas saídas para ventilação. Todas as paredes são pretas, tingidas pela fumaça. A mãe da família, Companheira Dolores, esta agachada junto ao fogo com um espeto na mão, assando dois cuys (porquinhos da índia). Carne muito apreciada nos países andinos.
Como de costume, estão preparando carne em homenagem a nós, convidados. Fora isso há um panelão de batatas cozinhando. A nora de Dolores põe um pouco de banha e sementes de urucum numa lata de sardinha? vazia e deixa um pouco sobre o fogo. Então côa a banha e prepara um molho com cebola picada. Também há uma sopa de arroz de cevada com leite. Vendo tudo isso, já vejo que vai ser bem difícil ser vegano aqui. Na costa serviam um pedaço de frango em todas as refeições, mas sempre podia deixá-lo de lado e comer os acompanhamentos – e não creio que usavam banha para cozinhar.

Mauricio conta para nossos hospedeiros que eu e os alemães somos vegetarianos. Para eles isto é quase que inconcebível. Trato de explicar de uma maneira bem simples, sem entrar em muitos detalhes. Ao final Dolores diz: mas aqui vai comer (carne). E solta uma bela risada, acompanhada pela nora e filhos. São todos muito bem humorados e risonhos.

Para quem vem de fora, uma das primeiras impressões é que são muito pobres. Isso já me falaram mesmo antes de chegarmos aqui. Mas tem uma linda horta com muitas verduras e legumes, além de plantações de batata e criação de cuys. Algo que me espantou é que nessa realidade, vivendo em casa de barro super simples, com água somente no poço, todos da família, fora as crianças, tem celular. E todos os homens vestem sapatos e calças sociais. E apesar da evidente vida dura que tem, demonstram uma alegria admirável.

Quando a comida fica pronta, servem a sopa, que é feita com leite e banha. Para não criar muito caso, resolvo engolir meu orgulho e transmutar. Como, pescando os pedaços de batata e o arroz de cevada, até que servem o prato principal: batatas cozidas, com o molho e cuy na brasa. Abandono a sopa e vou comendo as batatas, evitando o molho. O cuy eu nem toco.

Quando terminamos de comer, o caminhão já está descarregado e os produtos vindos da costa amontoados num canto. Logo tiram os dois carros do terreno para dar espaço ao mercado que já vai começar. Enquanto se deliciam com as bananas e outras frutas fresquinhas, começam a fazer pilhas, dividindo igualmente todos os produtos. Começam pelos maiores cachos de banana. Conforme mais pessoas do grupo vão chegando, já entram para ajudar na divisão dos alimentos. Jose Manoel canta e toca musicas andinas em seu violão. As crianças correm para todos os lados, brincando, comendo frutas e ajudando na distribuição. Assim passam algumas horas, e ao final há vários montinhos, cada um com igual quantidade de bananas, mandiocas, maracujás e cana. Como os sapotes (fruta deliciosa) e os mamões são muito poucos, os cortam na hora para compartir com todos. No meio de alguns cachos de banana aparecem baratas da mata. Uma menina grita: acudam-me. Outra se aproxima, pega as baratas, vai ate o poste de luz e as posiciona ali para que subam. Pergunto-lhe por que faz isso. Diz que elas sobem e não descem mais – parece que não sabem descer, então morrem lá em cima.

Apesar de estar nublado, o fim da tarde é notável pelo frio que vai aumentando. Mauricio fala algumas palavras ao grupo, basicamente o mesmo que foi dito em Pretoria e se vai com Suzana e Valentin. Eu fico para fazer companhia a Jose Manoel. Ele decide dormir aqui para ir amanha a dois povoados mais ao sul, onde há grupos que participavam dos mercados de economia alternativa, mas com quem perderam contato há algum tempo.
As pessoas vão levando suas mercadorias cada um como pode. Uns se amontoam na caçamba de uma pequena camionete, outros levam em carrinhos de mão e outros ainda levam nas costas. Um casal amarra sacos sobre um burrico. Não entendo muito bem por que, mas apertam tanto as cordas contra o animal que é preciso quem um terceiro tape a cara do animal com um pano para que ele fique quieto- talvez por ficar confuso.

Quando todos já partiram, ficamos um tempo ainda ao lado de fora, Jose Manoel tocando violão e eu acompanhando no bumbo, até que não agüentamos mais o frio e o companheiro pai de família (não lembro seu nome) nos convida para entrar na casa onde dormiremos. É uma casa nova, totalmente diferente da onde a família vive. Foi construída com a intenção de que se tornasse um CPAA (escola alternativa), mas o grupo não se organizou e por enquanto está meio sem uso.

Entramos no quarto onde nos prepararam uma cama. É uma construção um tanto aconchegante, feita de tijolos, com grandes janelas. Nos sentamos e seguimos tocando. Logo trazem uma panelinha com chá de tomilho lotado de açúcar. Isso misturam com cachaça para ajudar a esquentar. Ponho só uma gotinha no meu para dar um gostinho. Passado um tempo nos chamam para jantar. O céu está claro, com a lua praticamente cheia, brilhando lá no alto. Comemos sopa. Entrego-me à situação e como tudo, mesmo que feita com leite e banha. Durante a refeição ouvimos duas vezes estrondos vindos do vulcão. São bastante parecidos a uma forte tempestade. Antes de dormir ainda vamos ver se avistamos o vulcão, mas o céu já esta totalmente nublado e não vemos nada. Ao deitar ainda ouvimos mais um estrondo.

Durante a noite sinto-me um pouco sufocado. Creio que por haver dormido duas noites no calor, sem cobertas e praticamente sem roupas, e agora com casacos e dentro de um saco de dormir. De manha somos despertados pelo pai de família dizendo que temos que ir tomar café logo ele tem que sair para ir trabalhar. Servem pão comprado e chá, com muuuuuuuuuuito açúcar. Em seguida vem um pratão de arroz com caldo de batatas e seilamaisoquê. Digo que não quero, que um pãozinho com chá é o suficiente para mim de manhã, mas insistem que coma ao menos um pouco.

Partimos então, Jose Manoel e eu, no caminhão, rumando para o sul. Ele quer visitar duas comunidades mais ao sul de Riobamba, que costumavam participar dos mercados, mas com as quais haviam perdido contato. Quase chegando na primeira, Virgen de lãs Nieves, que é de um grupo de mulheres, encontramos três delas descendo a rua. Jose Manoel conversa com elas, que se mostram bastante interessadas nos mercados. Ele pergunta se teriam mais interesse em frutas ou peixes, pois cada produto viria de uma comunidade diferente. Elas optam por frutas. Trocam contatos telefônicos e seguimos para a segunda. Também no caminho encontramos um casal que faz parte do grupo e se mostram igualmente interessados nas frutas. Sem precisar seguir adiante, damos meia volta e rumamos a Quito. Umas 5 horas depois Jose Manoel me deixa numa bifurcação onde ele tem que subir ate o Leon Dormido, onde vive, e eu sigo em ônibus até “minhas casa” em Pifo.

Agora aqui estou, muito agradecido por poder experienciar esse mercado de Sintral e, principalmente, a vida nessas comunidades isoladas, aonde eu dificilmente chegaria sozinho. Sigo digerindo essas experiências enquanto me envolvo com outras.