sexta-feira, 15 de junho de 2007

Carta Aberta ao Presidente de Botsuana

Nós dizemos que se você tem problemas, deve solucioná-los e não se esconder deles. Se você se esconde deles, signifi ca que você ainda tem os problemas, os problemas do seu coração, porque eles permanecem dentro de seu coração ardente. Mas, se você pega esses problemas no meio das pessoas e fala abertamente sobre eles, se você leva essa dor aos outros e pede sua ajuda, todos vocês juntos vão achar um caminho.
/ANGN!AO/UN - do livro Healing Makes our Hearts Happy



Naro Giraffe apresenta danças sagradas ao Presidente Mogae

Sua Excelência,

Sou um viajante do Brasil que passou algum tempo em seu lindo país, Botsuana, com incríveis povos e culturas. Tenho feito alguma pesquisa na situação dos chamados ´Basarwa` (bosquímanos) e sua recolocação.

O senhor diz que quer desenvolver estas pessoas, mas de acordo com o dicionário, desenvolver é “fazer maior, ou melhor”. Como o senhor pode saber o que é melhor para um povo completamente diferente, com uma cultura e valores diferentes, o qual tem morado nesta terra por mais tempo que seu próprio povo?
Eu não estou dizendo que eles devem tem mais direitos por isso, mas penso que devem ter os mesmos direitos. Eles devem ter a chance de escolher como querem viver suas próprias vidas. Se eles escolhem viver como caçador-coletores, com o devido respeito, quem é o senhor para dizer que eles não podem fazer isto porque é algo do passado?

Numa de suas falas o senhor declarou: “… nós devemos continuar também a rejeitar o velho colonial mito do apartheid (segregação racial) que insiste que algumas comunidades negras são mais indígenas que outras”. De acordo com a ONU: “povos indígenas são os herdeiros e praticantes de culturas únicas e de meios de relacionar com outras pessoas e o meio-ambiente. Povos Indígenas retiveram características sociais, culturais, econômicas e políticas que são distintas daquelas das sociedades dominantes nas quais elas vivem”. Citando Alice Mogwe: “A tragédia é que nós estamos jogando de novo o jogo de colonização se nós não permitirmos aos San* o direito de serem diferentes”. O senhor vê a conexão? Não é sobre considerar algumas pessoas mais indígenas que outras, é sobre o significado de ser indígena e o que isso implica em
sua maneira de viver. O governo de Botsuana adotou características ocidentais de sociedade, cultura, economia e política. Algumas pessoas/povos, tais como os basarwa/Bosquímanos não querem isto. E não é sobre eles voltarem para seus velhos hábitos e andarem por aí em peles de animais. É sobre eles escolherem como querem viver e como querem desenvolver.

Porque eles não podem ser diferentes? Como senhor mesmo declarou: “A força e o sucesso de nossa nação dependem de nossa habilidade de apreciar e administrar nossas diferenças”. O país tem adotado uma maravilhosa política com a Visão 2016, mas o senhor se contradiz com suas ações presentes e algumas das metas: “… liberdade de vontade será completamente protegida”; “Haverá altos estandartes de moralidade pessoal e tolerantes atitudes sociais para pessoa/povos de diferentes culturas, tradições étnicas, religiões ou desabilidades”; “Botsuana será uma nação unida e orgulhosa”.

Botsuana tem tudo o que precisa para construir uma nação unida e orgulhosa, exceto que o governo está insistindo em expressar falta de ‘botho’ (palavra Setswana para respeito, bons modos) entre as minorias. É inaceitável que um presidente não respeite as pessoas de seu próprio país. É inaceitável que um presidente não respeite seus direitos mais
básicos, tais como a liberdade de escolher onde e como querem viver suas próprias vidas. Todos, inclusive as minorias, têm o direito de viver uma vida de dignidade sem hierarquias dizendo-lhes o que fazer, como viver, que línguas falar e em que acreditar. Eu espero que, por escrever isto, não seja estereotipado como apenas mais um romântico que quer ver os bosquímanos caminhando por aí em peles de animais ou um branco arrogante vindo lhes dizer o que fazer. Bem, não me entendam mal. Eu não quero dizer a vocês ou a eles (Bushman/Basarwa) o quê fazer. Eu não penso que eu sei melhor. Também não penso que vocês saibam melhor. É por isso que eu desejo que vocês parem de dizer a eles o que fazer, pensando que vocês sabem melhor.

Estive em New Xade e em alguns outros “re-assentamentos”. Fui informado que o governo está dando muita comida às pessoas re-assentadas em New Xade. Isto soa como boa ajuda, mas está somente fazendo-os completamente dependentes do governo. O senhor tira suas terras, seus direitos, sua independência como povo, suas vidas como eles a conhecem e, em troca, lhes dá dinheiro, comida e outros bens materiais. Muito dinheiro está sendo gasto no desenvolvimento dos acampamentos de re-assentamento, mas vocês estão se esquecendo de que as pessoas são o mais importante.

A princípio fiquei impressionado com o trabalho que a ONG Permaculture Trust of Botsuana (PTB) está fazendo para ajudar as pessoas a fazer pequenas hortas e criações de galinhas, a produzir tijolos para suas casas próprias, e começar uma loja de artesanato. Por outro lado, percebi que mesmo que este seja um lado positivo, no conjunto é desprezível. Está longe de compensar todas as perdas. O trabalho que a PTB está fazendo é só mais um meio de induzir os Basarwa a fazer que O SENHOR pensa ser melhor, menosprezando a posição deles. Na escola eles são forçados a aprender em inglês e setswana, mas nada em sua própria língua e cultura. Aos adultos é dado dinheiro e mercadorias, mas nenhuma consciência sobre como administrá-los. Assim como tantos
outros povos indígenas ao redor do mundo, isto está conduzindo-os à HIV/Aids, alcoolismo, violência doméstica e pobreza.

Ninguém está tentando negar ao governo de Botsuana o direito de desenvolver seus cidadãos. Realmente, ele tem a obrigação de fazer isto, mas de tal modo que respeite os direitos humanos - e o direito de participar completamente no processo de desenvolvimento e não ser coagido a “desenvolver” de tal modo que possa contradizer seus valores, cultura, e aspirações individuais e comuns.

Assim, venho por meio desta fazer um apelo ao governo de Botsuana e a todo seu lindo povo para que tenham um pouco mais respeito uns com os outros. Mostrem que vocês realmente se importam, ponham ‘botho’ em prática já.

Deus abençoe Botsuana e que TODOS os seus povos possam viver o Um Amor, Um Povo e Paz. Para ser um povo não é preciso que assimilem todas as culturas numa única, principal. É preciso que todos se juntem como Um, amando, respeitando e zelando um pelo outro. Com diversidade na unidade. Nossas culturas são nossas posses mais valiosas. O mundo está movendo para Um amor e Um povo, cada um no seu próprio passo. Ninguém precisa ser empurrado, nem mesmo os Basarwa/Bosquímanos.

Com amor e respeito

Thomas Bisinger

(carta enviada ao presidente de Botsuana, Festus Mogae e publicada no jornal Mmegi, de Botsuana)

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Vipassana

Todos queremos alguma coisa. Uns querem coisas materiais (carro, casa, roupa), outros querem amor, poder, forca, beleza, alegria, saúde - Não importa o que, cada ser humano esta sempre em busca de algo, senão não teria por que viver. Como disse José Saramago: "Sem desejo não há vida". E seja lá o que for esse desejo de cada um, o objetivo final é o mesmo: Felicidade.
E a felicidade verdadeira, pura, plena, parece tão difícil de encontrar, chega a parecer inatingível.

Isso acontece porque sempre estamos buscando em todos os lugares possíveis, menos no lugar mais eficiente: dentro de nos mesmos.
E o que é esse buscar dentro de nos mesmos? Em que implica isto?
Pensando em nossas vidas desde que nascemos, sempre estamos vendo tudo a nossa volta. Em geral, nada que acontece ao nosso redor escapa de nossa atenção. E quanto tempo de nossas vidas passamos percebendo o que passa dentro de nos, em nossos corpos e nossas mentes?

Quase NADA.

Outra coisa: Preste atenção a seus pensamentos por um momento e note se estão no presente, passado ou futuro. Tão raramente estamos atentos ao que esta passando aqui e agora. Mesmo quando estamos concentrados em algo que passa a nossa volta, desde um jogo de futebol, uma peca de teatro ou qualquer atividade a que nos dediquemos em um determinado momento, nossos pensamentos estão vagando em algum lugar do passado ou futuro. Podemos estar tendo boas lembranças de lindos momentos que já passaram, ou más lembranças de algo ruim que aconteceu - o que nos causa sensações no presente, boas ou más - mas nem a essas sensações prestamos muita atenção - estamos tão concentrados nesta ou aquela lembrança, que se liga a outra e mais outra e outra e assim vai num ciclo interminável.
Ou então pensamos no futuro, no que vamos fazer, no que queremos obter, no que temos medo que aconteça e por ai vai.
Podemos estar praticando algum esporte, cozinhando, comendo, trabalhando, não importa o que, nossa mente geralmente esta longe, no passado ou futuro. O problema é que o passado já passou. É inalcançável, não ha como chegar a ele, não ha como mudá-lo, ou seja, não existe mais. E o futuro, ainda não existe, sendo assim tambem fora de alcance. Não adianta pensar que quando tal coisa acontecer, vou fazer isto ou aquilo, pois tal coisa pode não acontecer. Em outras palavras, tudo pode acontecer.

E o presente? O Aqui e Agora, sem pensar no que passou ou no que passara, simplesmente estando e observando o presente imediato, assim como ele é!?! Mesmo que venham esses pensamentos de passado ou futuro, que são meio inevitáveis mesmo, que tal concentrar-se no aqui e agora. Os pensamentos vêm e vão, mas não lhe damos muita bola, são como uma musica de fundo.
Como é difícil fazer isto!!! Os pensamentos vêm e a mente vai embora e quando nos damos conta, já pensamos em tantas coisas e já esquecemos do presente.

Mas para que fazer isso? para que fazer tanto esforco em concentrar-se no presente, sabendo que e tao dificil? Porque isso traz uma paz e felicidade tao plenas que palavras nao podem explicar; somente experienciando para saber do que se trata.

E como fazer isto?

Bem, para tudo na vida o homem cria instrumentos que o ajudem a fazer o que quer ou necessita. Para locomover-se mais rápido e eficiente, criou carros, barcos e aviões, para cortar as coisas criou facas e tesouras, para armazenar informações criou escritas e papel e caneta. Poderia ficar horas, dias, anos citando coisas criadas pelo homem para ajudar a fazer o que quer ou necessita.

Assim, seres humanos que se conscientizaram de importância de estar atento ao aqui e agora, criaram técnicas que os auxiliassem a fazê-lo. E é justo disso que quero falar. Esta técnica especifica se chama Vipassana e vem da Índia. Vipassana foi criado ha 25 séculos por um homem chamado Sidharta Gautama, mais conhecido como Buda.

Buda não é um nome e sim um estado. Qualquer ser pode ser um Buda. Ser Buda é estar iluminado.

A idéia é que todos temos uma vida infeliz. Às vezes é difícil aceitar este fato. "Eu, infeliz? nao, eu gosto de minha vida. Tenho altos e baixos, mas assim mesmo e a vida, ne?! Se analisamos nossa vida um pouquinho, veremos o quao infelizes realmente somos. Sempre estamos com desejos ou aversões ao que queremos ou não queremos, gostamos e nao gostamos, respectivamente. Desde uma simples comida ate nossa principal atividade, nossa profissao, como é difícil simplesmente aceitar as coisas como são, sem julgar se são boas ou más?!?! Para isso temos que compreender e aceitar a impermanência de TUDO na vida. Tudo esta mudando o tempo todo. "A única certeza é que tudo muda" disse Confúcio. Se estivermos muito bem, devemos lembrar que isto vai mudar. Se estivermos muito mal, também devemos lembrar que isto vai mudar. Devemos estar sempre conscientes, em qualquer estado ou condição que estejamos, de que:

"Isto também passara". Aceitar isso num nivel intelectual e ate facil, mas isso somente faz um efeito quando experienciamos, quando sentimos isto a flor da pele, o que traz tamanha harmonia e felicidade; indescritiveis.

Buda não é uma religião. Existem varias vertentes de uma religião que se chama budismo, ou seja, que seguem Buda. Mas Sidharta Gautama, o Buda a que todos se referem, nunca quis que essas religiões fossem criadas e nem que as pessoas lhe adorassem. Tudo o que queria era que as pessoas tivessem a chance de, como ele, se libertarem de todo sofrimento e se iluminarem. Por isso ensinou Vipassana, a técnica de meditação por observação, desde o momento em que a conheceu, ate minutos antes de sua morte. E fez isto sem religião, sem rituais, sem adoração a este Deus, aquele santo, ou aquela imagem. Sendo assim, Vipassana serve para qualquer pessoa, independente de crença ou religião, pois a técnica não contradiz com nenhuma delas. Ao redor do mundo todo, praticantes e inclusive lideres das mais diversas religiões praticam Vipassana diariamente, obtendo benefícios que começam em seus interiores e se espalham por tudo e todos ao seu redor.

Os ensinamentos originais de Buda se baseiam apenas em tres coisas: moralidade, concentracao e sabedoria - Sila, samadhi e pañña, respectivamente. E nao ha religiao que se preze que discorde de que essas virtudes sao essenciais a qualquer ser humano. So que Buda vai tao a fundo nisso que a teoria fica em segundo plano, sendo a pratica o mais importante - enquanto a maior parte da humanidade fica somente na teoria.

E em que consiste um curso de Vipassana?
Consiste em 10 dias de retiro e dedicação a aprender a técnica. Para isto, uma pessoa tem que, por estes 10 dias, seguir rigorosamente os seguintes preceitos:

Abster-se de causar dano a qualquer ser vivo, mesmo um mosquito;
Abster-se de pegar o que nao lhe foi dado (roubar);
Abster-se de conduta sexual inadequada;
Abster-se de mentir ou maldizer;
Abster-se de intoxicantes.

Então, se tiver vontade de dar uma chance ao Vipassana de melhorar sua vida, é só buscar um curso e inscrever-se.

E quanto custa?
Ai é que está: não custa. A meu ver, é melhor do que se fosse grátis. O curso funciona a baseado em doações espontâneas feitas por quem já terminou um curso de 10 dias. Você se inscreve, vai, passa dez dias fazendo o curso com hospedagem e alimentação incluídas e, ao final de tudo, faz uma doação de acordo com suas condições e vontade. Todos que trabalham num curso de Vipassana o fazem voluntariamente, por amor puro, assim como fez Sidharta ate o ultimo dia de sua vida.
O dinheiro doado é única e exclusivamente para que outras pessoas depois de você possam fazer o mesmo curso. É uma corrente de amor incondicional.

Para maiores informações sobre Vipassana, datas e locais de curso e inscrições, acesse na Internet: www.dhamma.org em inglês ou http://www.portuguese.dhamma.org em português.

Que todos seres sejam Felizes!!!

Rita e a Pedra Sagrada


Piedra Sagrada
Originally uploaded by Soluz
Povoado de Challapampa, Ilha do Sol, Lago Titicaca, Bolívia. No alto do morro há uma pequena chácara onde há uma pedra. Esta pedra foi esculpida e posicionada neste local há milhares de anos, provavelmente pela civilização Tiwanaku. Tem uma forma aparentemente abstrata e parece que talvez esconda algo debaixo da terra.

A chácara é habitada e cultivada por Rita Mendoza, seus pais e seu irmão. Rita é uma pessoa muito amável e de cabeça bem aberta. Ela nasceu na ilha do Sol, cresceu em La Paz e depois de crescida voltou a viver na ilha. Rita é paralítica e adora escrever poesia.

Ela conta que antes essas terras faziam parte de grandes fazendas e que, com a reforma agrária, o governo tirou as terras dos latifundiários e vendeu pequenos lotes a preços reduzidos para os verdadeiros donos daquela terra: o povo.

Sua família recebeu este pedaço onde "por acaso" esta a tal pedra, hoje conhecida como pedra sagrada (não confundir com rocha sagrada, que também está na ilha do Sol).

Rita diz que eles têm que fazer muitas oferendas a Pacha Mama (Mãe Terra) com folhas da sagrada Coca e às vezes com fetos de lhama. A família tem certa insegurança de cultivar a terra ao redor da pedra - não sabem se é certo fazê-lo, por ser um local sagrado. Tem muito respeito pela pedra milenar.

Rita comenta que muitos turistas entram em seu terreno para ir ver a pedra, o que lhes é um pouco incômodo. Não sabem o que fazer, porque também não podem impedir que as pessoas a vejam, afinal não são donos da pedra, e todos devem ter direito a apreciar algo assim.

Pergunta se acreditamos na Pacha Mama (Mãe Terra) e em oferendas a ela. Dizemos que sim. Então sugere que façamos uma oferenda com folhas de Coca. Cada um escolhe quatro folhas bonitas (uma para cada direção - norte, sul, leste, oeste) e faz seus pedidos. Então enterramos todas junto à pedra. Esta pedra tem uma energia muito forte, o que faz com que fiquemos apreciando-a por um par de horas, enquanto Rita nos conta histórias da ilha.

O nome original da Ilha do Sol era Titicaca. No lago foi encontrado, já há algumas décadas, um sítio arqueológico com antiqüíssimas pecas de ouro. Estas estavam, até recentemente, no museu da comunidade de Challapampa. Por causa de brigas pelo dinheiro entre esta comunidade e sua vizinha Challa, o ouro sumiu - dizem que está escondido em Challa - e as duas comunidades vivem em constante conflito.

No dia seguinte a visita à pedra Sagrada, pegamos um barco no sul da Ilha para ir visitar as ruínas no norte da ilha. Passando pela comunidade de Challa, somos abordados por dois pequenos barcos à vela e um outro a motor. A bordo deste ultimo, um homem encapuzado segura uma pedra com a qual nos ameaça. Um jovem que tenta esconder seu rosto com seu casaco e gorro tem um estilingue de brinquedo com pedras. Num dos barcos de pesca, um homem também empunha um estilingue. O capitão do nosso barco tenta lhes convencer a nos deixar passar, mas de nada adianta. Temos que ir ate a praia, onde a comunidade esta reunida. Ficamos atracados a um pequeno píer de madeira na praia por uns 10 minutos enquanto o capitão resolve a situação, provavelmente com dinheiro. Então podemos seguir para conhecer as ruínas do norte da ilha do Sol.

EL PEREGRINO
(De Rita Mendoza)

"Peregrino somos
A la sagrada Isla del Sol
Santuario de Dioses
Lago Titiqaqa
Deidad de la raza Aymara

Peregrino nos llaman
Si...somos peregrinos
Buscamos en el alba un
Suspiro del alma."
http://www.flickr.com/photos/thomasbisinger/184362472/

terça-feira, 12 de junho de 2007

Zé Kleuber e as castanhas elétricas


Zé Kleuber
Originally uploaded by Soluz
(publicado na revista 'pobres & nojentas')

Numa festa particular em Rio Branco, encontro um homem baixo, de longos cabelos brancos, cacheados. Mais cedo daquele mesmo dia havíamos nos visto na apresentação musical “Boca de Mulher” que aconteceu no Teatro Placido de Castro. Lá, ele me cumprimentou como se me conhecesse, e eu cumprimentei de volta sentindo certa conexão.

Na festa ele vem até mim e explica que, no teatro, achou que eu fosse outra pessoa. Então a conversa flui e ele me conta algumas historias de sua vida, que era artesão, vendia "trampo" (colares, pulseiras, etc.) para sobreviver. Então teve sério problema na vista que o obrigou a abandonar esta profissão. Pediu a Deus que o orientasse quanto ao que fazer da vida - Como poderia a esta altura, mudar de profissão? O que faria?
Então veio a "resposta": ele deveria compor canções. Ele estranhou, pois não sabe tocar nenhum instrumento musical, apesar de já haver composto belas canções para sua religião.

Zé Kleuber, hoje com 56 anos de idade, se sustenta como compositor. Já ganhou alguns prêmios em festivais de diferentes partes do Brasil.

Desde o começo de nossa conversa algo me chama muito a atenção em Kleuber: seu colar. Parece ser feito com mini sementes de Aguaí. Ao longo do papo eu fico examinando para ver se realmente são “mini aguais”. Então lhe pergunto. Ele da uma risada, tira o colar e o coloca em minhas mãos, perguntando se conheço a historia desta semente. Digo que não conheço uma historia, mas que sei que ela tem muita força. Mas também nunca havia visto esta variedade "mini" – que, aliás, é muito charmosa.

Então ele me conta um pouco de sua historia: nasceu em Pernambuco e cresceu no Maranhão. Lá por 74? Estava ele viajando com amigos e foram andando desde Rio Branco, no leste do Acre até Cruzeiro do Sul, no oeste.

Pela estrada, encontraram uma cobra que fazia movimentos ameaçadores. Na dúvida, mataram a cobra com uma pequena espingarda que tinham. Então veio um menino. Eles nem tinham percebido que havia casas próximo dali - era muita mata. As casas eram de seringueiros. O menino os indicou como chegar numa casa e caminharam ate lá e foram muito bem recebidos. Contaram que mataram uma cobra ali no caminho e o menino, que fora ver a cobra e voltara a casa, disse que não era venenosa, mas sim do tipo que come as venenosas. Kleuber disse que ficou mal com isso... já não gostava de matar animais, e ainda mais inofensivos...almoçaram e continuaram a viagem.

Mais adiante encontraram índios que acampavam ali no caminho, e numa conversa, ele contou que tinha matado aquele tipo de cobra e que aquilo o incomodava. Disse que uma índia se levantou e foi buscar algo. Voltou com uma semente de aguai amarrada num cordão de palha. Disse-lhe que as cobras iriam lhe perseguir, e que deveria usar isto amarrado na cintura, abaixo do umbigo, para proteção.

Ele o fez. A semente o lembrou de sua infância, no Maranhão, quando brincava com essas sementes. Pegava os frutos verdes e macios e fincava gravetinhos em sua carne para imitar animais.

No outro dia, estavam andando na trilha, em fila indiana, quando ouviu uma cobra se aproximando. Ela vinha em sua direção e, de repente, deu meia volta e sumiu na mata.

Tempos depois, ouviu falar de Dr. Henrique Smith que estudou esta semente e seus poderes. Este escreveu um livro chamado Aguai Zen. Com a foto kirlian (foto da aura) da semente, verificou como tem uma aura poderosa.
Então certo dia ele achou, sob uma arvore, estas mini sementes de aguai, conhecidas como “castanha elétrica” aqui no Acre. Disse que já ouviu historias como de que este tipo “mini” só dá a cada sete anos... Mas ainda não conseguiu comprovar de fato qual a historia desta variedade. Ate hoje só encontrou uma arvore que as produz assim deste tamanho.

Mais recentemente, estava num encontro onde apareceu outra cobra. Resolveu fazer um teste: rodeou a cobra com “castanhas elétricas”. Conta que ela ficou parada com a cabeça erguida, até que veio algum entendido e recolheu a cobra.

Zé Kleuber conta ainda que há varias maneiras de usar a semente, inclusive utilizando o óleo que tem dentro, diretamente sobre áreas doloridas do corpo. Mas deve-se tomar cuidado pois o liquido da semente e do fruto é venenoso. Outra coisa que ele descobriu com o tempo, é que para usar a semente em contato com o corpo, é melhor que seja em áreas onde não há ossos muito expostos, pois isso pode provocar dor. Então ele entendeu por que a índia lhe disse para usá-la abaixo do umbigo. Hoje, Zé Kleuber, assim como muitos outros que conhecem o poder desta semente, carregam sempre uma no bolso.
http://www.flickr.com/photos/thomasbisinger/301090549/

terça-feira, 29 de maio de 2007

Open letter to president Mogae (2005)



Naro Giraffe presenting sacred dances to President Festus Mogae

published in Mmegi news (Botsuana)-3/23/2005

Your Excellency, I’m a traveller from Brazil who spent some time in your beautiful country, with its amazing people and cultures. I’ve done some research on the situation of the so-called “Basarwa” and their relocation.


You say you want to “develop” these people, but according to the dictionary, to develop is “to make bigger or better”. How can you possibly know what is better for a completely different people with a different culture and values, who have been living on this earth for longer than your own people? I’m not saying they should have more rights because of that, but they must have the same rights. They must be given a chance to choose how they want to live their own lives. If they choose to live as hunter-gatherers, with all due respect, who are you to say they cannot do that because it is something from the past?

In one of your speeches you stated: “... we shall also continue to reject the old colonial apartheid myth that insists that some black communities are more indigenous than others”. According to the UN, “Indigenous peoples are the inheritors and practitioners of unique cultures and ways of relating to other people and to the environment. Indigenous peoples have retained social, cultural, economic and political characteristics that are distinct from those of the dominant societies in which they live”. To quote Alice Mogwe: “The tragedy is that we are replaying the colonisation game if we don’t allow the San their right to be different.” Do you see the connection? It is not about considering some people more indigenous than others, it is about the significance of being indigenous and what that implies in your way of life. The majority of Botswana have adopted Western characteristics of society, culture, economy and politics. Some people such as the Basarwa/Bushmen do not want that. And it is not about them going back to their old ways and walking around in loincloths, it is about them choosing how they want to live and how they want to develop.

Why can’t they be different? As you stated yourself: “The strength and success of our nation depends on our ability to appreciate and manage our differences”. The country has adopted an amazing policy with Vision 2016, but you contradict yourselves with your present actions and some of the goals: “...freedom of will, will be fully protected”; “There will be high standards of personal morality, and tolerant social attitudes towards people of different cultures, ethnic traditions, religions or disabilities”; “Botswana will be a united and proud nation”; and even in the meaning of the word “Botho” (Setswana word for respect, good manners).

Botswana has everything it takes to build a “united and proud nation”, except that the government is insisting on expressing lack of “Botho” towards minorities. It is unacceptable that one doesn’t respect people from their own country. It is unacceptable that one doesn’t respect their most basic rights such as freedom of will and choice, to choose where and how they want to live their own lives. Everyone, even the minorities have the right to live a life of dignity without hierarchies telling them what to do, how to live, which languages to speak and what to believe in. I expect that for writing this, I’ll be stereotyped as just another romantic who wants to see the bushmen walking around in animal skins; an arrogant white coming to tell you what to do. Well, don’t get me wrong. I don’t want to tell you or them (Basarwa) what to do. I don’t think I know better. I don’t think you know better either. That’s why I wish that you would stop telling them what to do and thinking you know it better.

I’ve been to New Xade and some other settlements. I was told that the government is giving the resettled people of New Xade lots of food. This sounds like good help but is only making them completely dependent on the government. You take away their land, their rights, their independence as a people and their lives as they know it and in exchange you give them money, food and other material goods. Lots of money is being spent in “developing” the relocation camps, but you are forgetting that the people are the most important.

At first, I was impressed with the work that NGO Permaculture Trust of Botswana (PTB) is doing in helping people to make small vegetable gardens, make bricks for their own houses, raise poultry and start a craft shop. But then I realised that even though this is a positive side, in the situation as a whole, it is negligible. It is far from compensating all their losses. The work that PTB is doing is just another way of inducing the Basarwa to do what you think is better for them, disregarding their position. In school they are forced to learn in English and Setswana but nothing about their own languages and cultures. The adults are given money and goods but no conscience about how to handle that. Just as many other indigenous peoples around the world, this is leading them towards HIV/AIDS, alcoholism, domestic violence and poverty.

No one is trying to deny the Botswana government the right to develop its citizens. Indeed, it has the obligation to do so, but in a manner that respects their human rights - and their right to participate fully in the development process and not be coerced into “developing” in a manner that may contradict their values, culture, and individual and communal aspirations.

I hereby make a plea to the government of Botswana and all its beautiful people to have a little more respect for one another. Show that you really care, put “Botho” into practice right now.

God bless Botswana and all it’s peoples to live One Love, One People and Peace. One people doesn’t mean to assimilate all cultures into the main one. It means that all people get together as one, loving, respecting and caring for each other. With diversity in unity. Our cultures are our most valuable possessions. The world is moving towards One love and One people, each one at their own pace. Nobody needs to be pushed, not even the Basarwa/Bushmen.

With love and respect.

Thomas Bisinger

A caminho de casa (2005)

A caminho de casa

Estou dentro do ônibus voltando para casa. Sinto-me esgotado, um tanto desanimado. Olho para as pessoas à minha volta e reparo suas expressões: testas franzidas, caras fechadas, bicos, tensão. Às vezes, ouve-se uma risada ou um ar mais alegre quando duas ou mais pessoas conversam, mas quem está só ou quieto está geralmente para baixo. Eu “saio” de mim para me ver. Sinto como estou: Minha testa parece uma uva passa de tão franzida. Meus olhos estão quase fechados de tanta tensão. E eu pareço uma grande caca. Imagino que quem me olhar deve sentir pena, deve achar que sou um coitado ou que sofri alguma grande desgraça. Pergunto-me o porquê de tanta negatividade.

Todas as quartas-feiras, à tarde, eu facilito uma oficina para crianças da Combemi (Comissão Municipal do Bem-estar do Menor de Itajaí ) do Rio Bonito. Não tenho muita experiência na prática de educação, nessa relação professor/aluno. Trabalho com crianças de comunidades carentes, crianças que estão acostumadas, em seu dia a dia, com a desigualdade, o crime, o tráfico de drogas. Acostumadas, também, a serem mal tratadas pela sociedade e, muitas vezes, por seus próprios pais. Ali, a visão de futuro é seguir os passos dos pais. Se o pai é catador de lixo, assim será o filho; se a mãe é empregada doméstica, assim será a filha. O sonho de uma vida melhor, uma vida digna e de qualidade pode até existir, mas como algo distante, não palpável, praticamente impossível. Um sonho que nunca será realizado.

O sonho dessas pessoas pode ficar limitado a uma caixa “mágica”, chamada televisão – Ali, nas novelas e programas sensacionalistas, muitas crianças e também adultos vêem uma realidade falsa da vida. De uma forma ou de outra eles sabem que nunca poderão ser como aquela modelo do reality show ou aquele galã da novela. Sabem que terão que continuar a levar a vida sofrida onde sobreviver é o lema.

Em seu livro “Dejame que te cuente”, Jorge Bucay conta a história de um elefante de circo que, quando ainda bebê, é preso a uma corrente que está fixa ao chão por uma pequena estaca. O elefante tenta de todas as maneiras se libertar, mas é muito fraco e não consegue nem mexer a estaca. Todos os dias ele tenta, exaustivamente, se livrar. Até que um dia desiste. Condicionado a esta realidade o elefante nunca mais tenta se libertar e não tem consciência de que, quando já está maior, ele pode arrebentar tanto a estaca quanto a corrente com facilidade. Assim também é condicionada a criança da comunidade carente: Nasce e cresce numa realidade precária e não acredita que possa mudar, porque já está condicionada a isto.

Cada quarta-feira passada na Combemi é uma nova experiência. Inúmeros motivos influenciam as diferenças entre cada oficina. Apesar de o tema ser sempre o mesmo, cada um de nós está com um humor diferente, dependendo daquilo que vivemos naquela semana, naquele dia. Assim, a reposta de cada um, tanto dos alunos quanto minha, vai depender da realidade de cada um de nós. Se pudéssemos medir nosso humor com números, poderíamos somar o de cada integrante e teríamos um saldo positivo ou negativo indicando o sucesso ou não da atividade. Claro que isso é ilusório, pois além de não existirem tais números, ainda há muitos outros fatores que influenciam neste caso específico, como a maneira com que a oficina é ministrada, as atividades específicas daquele dia e etc.

Ainda no ônibus eu chego à conclusão que nada disto é motivo para eu estar me sentindo dessa maneira. Não importa se me parece que aquela tarde foi totalmente improdutiva porque eu fiquei o tempo todo chamando a atenção das crianças, que simplesmente não estavam a fim de cooperar, e não consegui trabalhar em cima do assunto em questão. Mesmo que não possa identificar o que, eu sei que aprendi algo, ou muito, e elas também.

Então tudo o que preciso fazer é sair desse buraco no qual eu mesmo me enterrei e dar a volta por cima. Endireito minha postura, deixando a coluna ereta, relaxo os músculos da cara, respiro fundo e abro um leve e gostoso sorriso, para mim mesmo. Olho para as pessoas à minha volta, tensas e emburradas e começo a emanar-lhes amor, paz, serenidade, alegria. Fico assim, olhando por alguns segundos para cada ser que está ali, tão próximo de mim, mas com os quais nunca troquei uma palavra, um gesto, um olhar. Somos filhos do mesmo Pai, Deus. Sendo assim somos todos irmãos. E o que posso desejar a meus irmãos a não ser tudo do bom e do melhor. Olho para eles e, de todo meu coração, peço a nosso grande Pai que lhes abençoe.

Um Bom Homem - Cidade do Cabo - RSA

A Cidade do Cabo e um homem bom

Passeando pelo centro da Cidade do Cabo, na África do Sul, faço uma pausa e sento-me num banco. À minha volta estão modernas construções com lojas de roupas da moda, joalherias, cabeleireiros chiques e bancos. Isso me faz sentir como se estivesse em alguma cidade da Europa. Dezenas de pessoas andando com pressa, para lá e para cá, lembram São Paulo. Ao meu lado, duas mulheres conversam em Afrikaans, enquanto fumam um cigarro.

Em outro banco, dois homens com uniformes azuis conversam tranqüilamente. Logo à frente, um homem com traços indianos, vestindo jaqueta de couro preta, espera o tempo passar observando o que acontece à sua volta. Não muito distante há uma venda de flores. Das mais variadas cores, separadas em baldes de plástico, deixam esse cercado de pedras e cimento um pouco mais alegre. Pena que as flores estejam mortas. Atrás de mim há um camelô vendendo tudo que é tipo de bolsas de couro, desde carteiras até malas de viagem. Mais ao fundo, por uma das principais avenidas da cidade, a Adderley Street, trafegam carros. No segundo andar de um dos prédios da rua há uma estátua de Hércules segurando o mundo.

No lado oposto, sentado em uma caixa de plástico, na frente de uma vitrine cheia de roupas modernas, está o ator principal desta cena. Ele se esconde atrás do violão, que toca com muito sentimento. O instrumento está na posição vertical, com a base apoiada em seu colo. No corpo do violão há um pedaço de papelão que diz: “Ndicela amadipo
andiboni enkosi” (que significa “sou cego, alguém me ajude”, na língua xhosa). Quando ele pára de tocar eu me aproximo para cumprimentar e oferecer um pacote de amendoins que tinha em mãos. Ele agradece e continua a tocar e cantar. Canta em inglês e xhosa.

Não entendo muitas palavras, a não ser um “aleluia” de vez em quando. Mas isso é detalhe, porque sinto a música simples que ele toca incansavelmente segurando o violão com a mão direita. Usa o polegar para formar os acordes e, com a mão esquerda, marca o ritmo. As pessoas que passam, mesmo com pressa, dão uma diminuída nos passos para ver de onde vem esse som que toca lá no fundo, fazendo aflorar um sentimento estranho,
indescritível. Ficam surpresos ao ver que vem de um cego pedindo ajuda enquanto toca a música simples e repetitiva. Uma mulher se acerca e diz ser sua esposa. Seu nome é Abigail e o marido chama Good Man, que significa “Homem bom”. Ela está desempregada e tem dois filhos para criar. O dia segue e o Bom Homem vai fazendo seu trabalho. Com violão e sentimento, ele toca qualquer um que cruze seu caminho.
http://www.flickr.com/photos/thomasbisinger/470172093/