terça-feira, 29 de maio de 2007

A caminho de casa (2005)

A caminho de casa

Estou dentro do ônibus voltando para casa. Sinto-me esgotado, um tanto desanimado. Olho para as pessoas à minha volta e reparo suas expressões: testas franzidas, caras fechadas, bicos, tensão. Às vezes, ouve-se uma risada ou um ar mais alegre quando duas ou mais pessoas conversam, mas quem está só ou quieto está geralmente para baixo. Eu “saio” de mim para me ver. Sinto como estou: Minha testa parece uma uva passa de tão franzida. Meus olhos estão quase fechados de tanta tensão. E eu pareço uma grande caca. Imagino que quem me olhar deve sentir pena, deve achar que sou um coitado ou que sofri alguma grande desgraça. Pergunto-me o porquê de tanta negatividade.

Todas as quartas-feiras, à tarde, eu facilito uma oficina para crianças da Combemi (Comissão Municipal do Bem-estar do Menor de Itajaí ) do Rio Bonito. Não tenho muita experiência na prática de educação, nessa relação professor/aluno. Trabalho com crianças de comunidades carentes, crianças que estão acostumadas, em seu dia a dia, com a desigualdade, o crime, o tráfico de drogas. Acostumadas, também, a serem mal tratadas pela sociedade e, muitas vezes, por seus próprios pais. Ali, a visão de futuro é seguir os passos dos pais. Se o pai é catador de lixo, assim será o filho; se a mãe é empregada doméstica, assim será a filha. O sonho de uma vida melhor, uma vida digna e de qualidade pode até existir, mas como algo distante, não palpável, praticamente impossível. Um sonho que nunca será realizado.

O sonho dessas pessoas pode ficar limitado a uma caixa “mágica”, chamada televisão – Ali, nas novelas e programas sensacionalistas, muitas crianças e também adultos vêem uma realidade falsa da vida. De uma forma ou de outra eles sabem que nunca poderão ser como aquela modelo do reality show ou aquele galã da novela. Sabem que terão que continuar a levar a vida sofrida onde sobreviver é o lema.

Em seu livro “Dejame que te cuente”, Jorge Bucay conta a história de um elefante de circo que, quando ainda bebê, é preso a uma corrente que está fixa ao chão por uma pequena estaca. O elefante tenta de todas as maneiras se libertar, mas é muito fraco e não consegue nem mexer a estaca. Todos os dias ele tenta, exaustivamente, se livrar. Até que um dia desiste. Condicionado a esta realidade o elefante nunca mais tenta se libertar e não tem consciência de que, quando já está maior, ele pode arrebentar tanto a estaca quanto a corrente com facilidade. Assim também é condicionada a criança da comunidade carente: Nasce e cresce numa realidade precária e não acredita que possa mudar, porque já está condicionada a isto.

Cada quarta-feira passada na Combemi é uma nova experiência. Inúmeros motivos influenciam as diferenças entre cada oficina. Apesar de o tema ser sempre o mesmo, cada um de nós está com um humor diferente, dependendo daquilo que vivemos naquela semana, naquele dia. Assim, a reposta de cada um, tanto dos alunos quanto minha, vai depender da realidade de cada um de nós. Se pudéssemos medir nosso humor com números, poderíamos somar o de cada integrante e teríamos um saldo positivo ou negativo indicando o sucesso ou não da atividade. Claro que isso é ilusório, pois além de não existirem tais números, ainda há muitos outros fatores que influenciam neste caso específico, como a maneira com que a oficina é ministrada, as atividades específicas daquele dia e etc.

Ainda no ônibus eu chego à conclusão que nada disto é motivo para eu estar me sentindo dessa maneira. Não importa se me parece que aquela tarde foi totalmente improdutiva porque eu fiquei o tempo todo chamando a atenção das crianças, que simplesmente não estavam a fim de cooperar, e não consegui trabalhar em cima do assunto em questão. Mesmo que não possa identificar o que, eu sei que aprendi algo, ou muito, e elas também.

Então tudo o que preciso fazer é sair desse buraco no qual eu mesmo me enterrei e dar a volta por cima. Endireito minha postura, deixando a coluna ereta, relaxo os músculos da cara, respiro fundo e abro um leve e gostoso sorriso, para mim mesmo. Olho para as pessoas à minha volta, tensas e emburradas e começo a emanar-lhes amor, paz, serenidade, alegria. Fico assim, olhando por alguns segundos para cada ser que está ali, tão próximo de mim, mas com os quais nunca troquei uma palavra, um gesto, um olhar. Somos filhos do mesmo Pai, Deus. Sendo assim somos todos irmãos. E o que posso desejar a meus irmãos a não ser tudo do bom e do melhor. Olho para eles e, de todo meu coração, peço a nosso grande Pai que lhes abençoe.

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