sábado, 17 de julho de 2010

Uma Familia em Srinagar

Passei a noite no New Kismat, um dos tantos e tradicionais barcos casa do lago Dal em Srinagar. Comaparando o preco com outros barcos e mesmo hoteis, o que consegui eh ate barato (350 rupias = 14 reais) por uma noite. Isto tambem porque eh alta estacao de turismo na india para indianos e eles adoram vir para Srinagar e caxemira turistear. Ate achei um barco onde me ofereceram por 100 rupias a noite, mas num local meio suspeito e barcos bem "ruinzinhos". Aqui na india tenho gasto media de 150 rupias por noite, mas parece que aqui na caxemira a realidade eh outra. Decidi dormir esta noite no barco tambem para passar por esta experiencia que atrai tantos e porque por um lado o done, que me abordou na rua, me passou boa impressao, ainda mais que no mesmo espaco vive sua familia.

Seu espaco fica numa "ilha" do lago. Tem dois barcos, o que fiquei, menor e mais simples e outro maior e provavelmente mais chique. Alem disso na ilha tem outro espaco onde vivem e tambem a cozinha. Aqui na Caxemira o consumo de carne eh bem maior do que vi em outras partes da India, mesmo porque aqui a grande maioria sao muculmanos e adoram carne. Para o jantar me servem arroz e batata refogada com cenoura e ervilhas. Bastante saborosos. Ja em outras partes que estive, isso viria acompanhado de, no minimo, um prato de leguminosas, provavelmente dal (lentilha). Creio que como sao bem carnivoros aqui, nao sabem bem como lidar com vegetarianos.

Na cozinha, todas a mulheres da casa - provavelmente esposa do dono, talvez filhas. Alguns homens tambem. Volta e meia um vai a varanda para dar uns tragos no Hookah, cachimbo de agua de origem arabe. Dono do barco se mostra bastante amigavel, nao tao explorador como tantos por aqui so querendo vender algo. Mas aos poucos solta algo, como quando oferece tekkings e outras atividades turisticas da regiao. Pergunto sobre Ahad Sahib Sopore, o dervixe iluminado do qual Oberom e Samadhi me falaram. Depois da tumba de Jesus, ele era a razao principal para eles virem ate aqui passar somente uma noite. Mas quando nos disseram que Sopore eh a cidade onde ele mora e que fica uns 100km daqui, os dois ja desistiram da ideia, por falta de tempo.

Depois descobri que na verdade sao apenas 40 km de distancia. Mesmo assim longe demais para eles. Na India, 40km eh, no minimo, 1 hora de viagem. No barco comento que quero ir visita-lo. Eles ficam admirados como eu ouvi falar de Sahib Sopore. Dizem que gostam muito dele e que vao la frequentemente. Me mostram sua foto, nu. "esta sempre nu". Dizem que podem ir junto comigo. Eles conseguem um carro eu eu so preciso pagar a gasolina: 600 rupias. Digo que nao posso pagar essa quantia, vou de onibus mesmo. Explicam que quando chego em Sopore tenho que pegar carroca a cavalo para ir ate sua casa.

A caminho do barco, logo que o conheci, perguntei se me daria mais desconto caso ficasse mais dias. Disse "como voce quizer, nao estou muito preocupado com dinheiro. o que voce puder dar" . nao confiei muito nisso mas tambem me permiti o risco. Agora ja no barco, tomando meu cafe da manha incluso no preco (cha e pao de forma com geleia artificial) apos a primeira noite, toco no assunto novamente e a historia eh outra. Diz que nao pode baixar o preco, que ja esta muito baixo. Pergunto entao se posso somente deixar minha mochila enquanto procuro outro quarto mais barato - afinal, ele se mostrou tao amigavel e desinteressado...diz secamente que hora de checkout eh 12h. "Tudo bem, entao vou-me embora agora com todas minhas coisas".

Sinto que ele tem um lado muito bom, mas nao foi muito honesto comigo. Sem ressentimentos, deixo o barco. Na saida ele fala com uma shikara (canoa tradicional) que esta passando e consegue outro barco para mim por R200. Vou la so para averiguar. Mais simples, dono muito amigavel. Digo que talvez eu volte. Chama uma Shikara meio chique que esta passando com um homem de negocios e suas maletas. Sera um turista indiano? Quando entro comeca a puxar papo como quem nao que nada ate chegar ao assunto: ele vende joias de prata com pedras preciosas. Para para tomarmos um cha que o condutor faz rapidamente num fogaozinho portatil. Me mostra seus produtos. Como disse que nao tenho muito $ me da ideia de comprar varias para revender. Ideia que ja tinha, mas nao me identifico muito. Uma porque nao sou bom comerciante, outra porque nao me atrai a ideia de estarem destruindo a terra em busca de pedras para fazer $$ e mais outra porque nao tenho muito $$$.

Enfim me deixa em terra firme, nao muito feliz. Eu curti a experiencia e viagem gratis. hehehe
Decido ir com todas minhas coisas ate Sopore para encontrar o dervixe iluminado e talvez domir la mesmo. Pego onibus urbano rumo a terminal. Pouco antes de chegar, um senhor senta ao meu lado e comeca a puxar papo. Tambem fica impressionado com meu destino e me convida a almocar em sua casa antes de ir. Pergunto se nao eh problema eu ser vegetariano. "Sem problema". Desco com ele e sua esposa. Pegamos rikshaw ate sua casa num bairro bem simples, noa aforas da cidade. Tento pagar, nao me deixa. Entramos e conheco parte de sua familia: filha mais jovem, 17, neta mais velha, 15, esposa de um dos tres filhos e dois netinhos bebes. Na primeira sala, chao coberto de tapetes com almofadas para enconsto nas paredes. Televisao. Segunda sala eh o comedor, parecida, porem com esteiras de palha no chao. Mais uma televisao, esta ligada. Me oferece cha e se quero doce ou salgado. Salgado? Bem, digo para me servir da maneira como ele toma, tradicionalmente. Me servem cha preto com leite e sal. Sim, eh bem estranho o sabor. E eh com bastante leite, bem gordo. Junto servem pao da caxemira (tipo chapati) e bolachinhas. Pergunto se nao vao tomar cha. Diz que agora nao porque vao almocar em breve.

Mulher fala algo com Ali que me conta: ela quer fumar Hookah ali (aponta para um quartinho escuro no canto da sala) porque voce esta aqui. Normalmente fuma aqui. Digo para que, por favor, fume ali mesmo. Nao me importo. O proprio Ali fumou seu cigarro ali mesmo. Pela maneira como Ali me fala e pela vergonha dela, imagino que no hookah ela fume haxixe.

A esposa fica muito interessada em mim, me olha profundo. Nao fala nada de ingles. Nos comunicamos por olhar e atraves de seu marido ou filha que fala ingles. Ela e a neta mais velha sao as unicas que sabem ler e escrever. Me mostram parte superior da casa, com dois quartos, um de cada filho e mais uma sala como a de baixo so que mais chique. Sem televisao. Estantes nas paredes fechadas com vidro contem alguns enfeites, brinquedos, fotos e outros objetos. Me mostram tambem a foto de Sahib Sopore, o dervixe que quero encontrar. Numa das prateleiras o Alcorao e outros objetos sagrados, como um rosario. Ali Mohamad, o chefe da familia me diz que contem 101 contas. Conversa um pouco com sua esposa em caxemiri e entao me diz que vao junto ver o Sahib. Vamos de carro, com um de seus filhos, logo apos almoco.

Almoco eh servido em pratos tradicionais, feitos de aluminio. Parecem grandes calices. Grande porcao de arroz. Em recipientes semelhantes porem pequeninos, um pouco de espinafre refogado e batatas fritas. Outro com iogurte. Como hospede eu recebo maiores quantidades que o resto. Por isso deixo um pouco de batatas e iogurte. Vem um vasilhame com agua para lavarmos a mao direita, com a qual se come. Colher somente para servir. Me pergunto se nao comem carne por respeito a mim. Mas nao sinto de perguntar-lhes. Pergunto quanto vai custar de gasolina para ir ate Sopore - diz que nao muito , uns 3 litros. Nao sabe agora o valor. Me entrego.

No carro pequenino, eu e o filho na frente, Ali, sua esposa e filha + duas netas atras. No comeco da estrada vemos um carro que acaba de bater contra uma arvore. Pessoas correndo para socorrer os acidentados. Motorista reduz para ver detalhes.Cena chocante. Percebe-se que ele dirige com muita cautela por isso. Apos aproximadamente 1 hora chegamos a Sopore. Ali pergunta se quero comprar pao ou bolinhas de acucar como oferenda para o Sahib. Sim, pao. Paramos numa padaria e compramos varios paes.

Chegando la entramos numa salinha onde o homem, ja bem idoso esta deitado numa cama quase ao nivel do chao, dormindo. Nao esta nu, talvez pela idade. Dois homens, cuidadores, junto dele. Um massageia suas pernas. Pessoas sentadas olhando para ele. Aparelho de som toca musica Sufi. Nos sentamos. Ali pergunta se tenho carteira de identidade para o Baba abencoar. Entrego. Colocam junto com varios objetos, alimentos, garrafas de agua, etc para serem abencoados a frente dele. Medito por alguns instantes. Sinto algo forte e sutil em meu peito. Tocam cada pertence ao corpo do Sahib e devolvem aos donos. Entao todos saem para entrarem outras pessoas.

Um homem tenta toca-lo, recebe advertencia dos cuidadores atentos mas tenta denovo e consegue tocar sua mao. Uma mulher tambem tenta toca-lo mas agora realmente nao dixam. ela se ajoelha a sua frente e chora. Me sento bem a frente e entrego minha japamala (rosario de oracoes) para ser abencoada. O Sahib da umas mexidas involuntarias na mao e me vem o pensamento "ele podia tocar minha japamala". Em silencio peco para ele abrir os olhos. Alguns instantes depois ele comeca a se mexer e, com ajuda de um dos cuidadores se senta. Neste movimento arrasta sua mao no chao e lanca minha japamala com vigor em minha direcao. Sentado, fica com a cabeca baixa por uns instantes e entao levanta a cabeca e abre os olhos. Nao foca em nada. Esta ali mas nao esta. Agradecido.

Vou para a area externa onde familia ja toma cha e come pao oferecido pelo espaco. Pego meu pao e me dao um cha. Aiaiai, sera que eh o mesmo? Tomo um gole e, ui. eh o mesmo. salgado. fazer o que...melhor tomar pra nao fazer desfeita. Tambem me dao algo que parece uma pedrinha de barro, cinza. Ali expica que eh medicina sagrada. Qualquer problema no corpo eh so molha-la um pouco e passar na area afetada. Tambem se quiser ver o Sahib onde quer que esteja, eh so passar um pouco nas temporas e ele vira ate mim em meu sono.

Ja no carro Ali pergunta se quero conhecer um lago. Sim. Viajamos por outro caminho ate chegar no lago Wular, que chega ate 260km2 de extensao. Damos a volta nele e voltamos a Srinagar. Uma longa viagem passando por inumeros vilarejos, barricadas do exercito, soldados a beira da estrada, muitas plantacoes de arroz e maca, tambem cheias de soldados. Ali fuma varios cigarros durante a viagem. Criancas tossem muito mas ele nem se da conta. Chegando na cidade, ja a noite, Ali pergunta se quero ir ao barcocasa (hotel) ou sua casa. -Sua Casa.

Chegando la ja estao os outros dois irmaos. Jantamos arroz com espinafre, iogurte e molho de tomate extrapicante. Volta e meia a senhora entra no quartinho para fumar. A televisao sempre ligada: discovery channel, filme de bollywood, cricket, luta livre falcatrua, competicao de dancarinos infantis, etc. Um dos filhos, unico que fala um pouco de ingles, trabalha com turismo. Ele diz que a caxemira eh muito boa e que india nao eh boa. Sao tao diferentes aqui que nao se consideram indianos. Escovo meus dentes e Ali me mostra minha cama, na sala de entrada da casa, que tambem eh o seu quarto. Filha mais nova prepara as camas. Ela e a mae dormem na sala ao lado, onde comemos. Pergunto quanto foi o custo de gasolina da viagem. Fazem calculos e dizem que se comprassem gasolina no posto seria 300 rupias, mas como compram no mercado negro, fica 200.

Ali pergunta se ainda quero sair ou se ja vou dormir. "Vou dormir". Fala para me deitar apontando minha cama. Televisao ligada mostra jogo de cricket. Me deito. Elefica assisindo jogo por um bom tempo.

Acordamos por volta das 6h. Tomo banho quente, de balde. Na cozinha ja tomam cha. Peco sem sal e sem leite. Estranham mas servem. Vem um cha tao preto que parece cafe. Imagino que sempre fazem assim, mas como eles sempre adicionam bastante leite, fica " bom". Tomo alguns goles e peco mais agua para diluir.

Quero ir embora para me entregar novamente para a sabedoria da incerteza, sair por ai e ver onde vou parar. Nao sei como colocar isto para eles, entao digo que vou pegar o onibus das 8 para Leh. Ali diz para arrumar minhas coisas que seu filho esta de saida e me deixa no terminal. Dou a grana da gasolina mais um extra, agradeco e la vou eu rumo ao desconhecido.

Rodo um pouco com mochila entrando em lojas de foto em busca de camera digital barata mas com qualidade aceitvel, de preferencia usada. Encontro algumas, mas nenhuma me convence. Ha tambem algumas antigas, manuais e analogicas que e atraem. Duvida. Simplicidade(com menos qualidade) ou qualidade(mais complicada)???

Me indicam outra area da cidade onde talvez encontre mais opcoes. Deixo minha mochila numa das lojas e pego onibus. Apos bom tempo pergunto se estou no lugar certo. Mulheres em lindas roupas tradicionais me dizem que este onibus nao vai onde quero ir. Saba me diz para descer com elas que me mostram. Pergunta o que busco. Diz que vao me ajudar. Eh domingo, maioria do comercio esta fechado. Caminhamos, entramos em algumas lojas, faz ligacao, tudo para me ajudar. Nada. Diz que melhor tentar amanha. Me da seu telefone e diz que se precisar ajuda ligue para ela. Muito Agradecido. " O prazer eh meu".

Comeco a caminhar por ali para ver o que encontro. Logo percebo que a calcada eh um imenso mercado vendendo muita roupa usada entre outras coisas. Seria bom comprar uma calca masi quentinha e talvez um agasalho sendo que as altitudes em Ladakh (onde penso ir em breve) sao grandes. Caminho bom tempo, acho umas calcas interessantes, mas sou muito exigente. Nao compro nada. Quando me dou conta ja estou proximo ao terminal de onibus, perto do lago e de onde esta minha mochila.

e agora? Veremos o que se apresenta...

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