domingo, 29 de março de 2009

Uma Mulher à frente do tempo

matéria publicada no jornal "O Sardinha" - Itajaí, 2004




Ela nasceu em Luís Alves em 30 de abril de 1917. Apoiando os braços enrugados sobre o balcão, conta histórias dos tempos da segunda guerra mundial como se tivesse sido ontem. Histórias que ouvimos dos professores e lemos em livros, que parecem muito distantes e, às vezes, até irreais. Mas, a conversa com Olga traz esse passado distante para o agora, quase palpável.

Olga Marangoni Waltrich, de 87 anos, é uma mulher cheia de vida. É a dona do Bar da Vó, também chamado Ponto Chic, que fica no centro de Itajaí, bem próximo ao mercado público. Abre todos os dias, das 8h às 17h. “Mais vale um covarde vivo que um valente morto. Prevenir o acidente é dever de todos”, justifica ela, por fechar tão cedo.

Entre as histórias que Olga conta e reconta, com muito gosto, está a de uma molecagem que fez em Itajaí. “Meu marido estava em Porto Alegre, eu peguei o carro e fui fazer bagunça”. À noite, com as ruas vazias, ela juntou a criançada e, juntas, trocaram as placas dos comércios. Na casa da parteira colocou a placa do açougue do Germano, a Casa Jaraguá virou conserto de sapato, e por aí vai. No dia seguinte a parteira deu queixa na polícia e Olga, com a consciência pesada, foi se entregar. O delegado não acreditou nela.

Morou 26 anos em São Paulo onde trabalhou de enfermeira, acompanhando idosos. Têm inúmeras cartas de recomendação de seus clientes, algumas na parede do bar, outras atrás do balcão. Certa vez, resolveu levar sua paciente para a praia do Guarujá. Como o motorista não tinha muita prática na estrada, pediu para usar o motorista de uma conhecida. Na estrada foram parados por alta velocidade. Olga não perdeu tempo. Falou para a paciente deitar em seu colo e, quando o guarda veio, disse que estavam com pressa para ir ao hospital, pois a senhora estava mal. Mostrou-lhe os documentos de enfermeira e o truque deu tão certo que foram escoltados pelo carro policial até o hospital de Santos.

Na década de 50 o marido tinha a loja Casa de Queimas onde ela vendia roupas que trazia de São Paulo. Na volta de uma viagem trouxe, em sua valise, escondidas nas roupas íntimas, duas latas de pedras de isqueiro vindas da Argentina. Foi detida em São Miguel e as latas apreendidas como contrabando. “Passei um telegrama para Dr. Nunes, na época não tinha telefone”. O telegrama foi repassado para Ademar de Barros, homem do governo, que respondeu: “Solta-me la chapa deste carro” conta ela, com seu sotaque italiano. Foi liberada na manhã seguinte e seguiu viagem. Em Itajaí foi recebida por Irineu Bornhausen de braços abertos.

Ao contar essas e outras histórias, Olga parece uma criança, orgulhosa de suas travessuras. Mas ela não fala só dessas coisas. Fala muito sobre política e está bem a par dos acontecimentos de Itajaí e do Brasil. Expressa claro desgosto por Bush e suas atitudes. Diz que o ser humano tem que ter quatro qualidades: ser honesto, humano, inteligente e valente.

Olga foi a primeira mulher em Itajaí a ter um carro. Era um modelo Ramona, ano 28, comprado em 1946 de uma viúva alemã de Indaial. Custou 800 mil réis. “Como vou dirigir, como faço? Eu sabia muito bem andar de carroça ou de trolinho”, pensou. O marido a ensinou: “Não tinha nada de segredo, o pé de fazê-lo ir, o pé para brecar, chave ligada, ia lá fora, dava manivela - trum trum trum - até que pegava, sentava dentro dele e ia andando... na cidade tinha o carro do prefeito, do posto de saúde e o meu”. Seu pai a repreendia dizendo que mulher que dirige é mulher vulgar, banal. “Olhei para ele, me rasei os olhos e continuei a dirigir”.

Não se arrepende de nada. “Trabalhei muito e se for para fazer tudo de novo, eu faço". Hoje vive em paz. "Não vou a lugar nenhum, não saio de casa. Sou muito católica, mas nem vou numa missa, não saio sequer para fazer compras. Tenho uma pequena aposentadoria e quem recolhe é meu sobrinho Marangoni”. Sem travessura, agora, a vida de Olga é dividida entre o trabalho no bar e os cuidados com sua filha Letícia, a “Ticinha”, que teve pneumonia aos sete anos e ficou incapacitada.

“Tenho freguesia sólida, mas o mal não tem letreiro na testa. Continuo a trabalhar mais um tempo se Deus me permitir, e sei que ele vai. Quando ele tirar minha filha, que faça de mim o que bem entender, porque sem eu ela não vive. E eu não vivo sem ela. É uma amiga, uma companheira. Sete e meia mais tardar já lhe aplico medicina e a ponho para dormir. Três ou quatro vezes por noite levanto, tiro ela, levo... cinco e meia estou de pé, faço café, adianto meu almoço, fresquinho, cada dia aquele pouquinho, e vivo. Estou muito contente assim como estou, sou feliz, contente com minha freguesia, meus filhos que me chamam de vó ou mãe. É um carinho. Ninguém aqui me dê uma piada ou queira me maltratar porque o próprio freguês não permite, ele já toma a frente". Assim é!!!

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